Lembranças do Capítulo XVII

Décio Luís Schons (*)

Já lá se vão mais de 40 anos, mas as lembranças são muito vivas. Era eu então um jovem tenente servindo em uma unidade no interior do Rio Grande do Sul, casado com jovem professora que ministrava aulas de inglês num cursinho da cidade. Uma vez por semana, nos reuníamos para o estudo do Evangelho no Lar. Éramos poucos, do lado de cá do véu: nós dois adultos e a bebezinha, que sem nada ainda entender nos fitava desde o berço com sua carinha de anjo. Éramos muito jovens, muito inexperientes, muito felizes.

Naquela noite, pedi a Beth que abrisse ao acaso o Evangelho Segundo o Espiritismo e fomos brindados com a seguinte lição: “Capítulo XVII – Sede perfeitos – número 10 – O homem no mundo”. Li em voz alta e com interesse aquele texto agradável e esclarecedor. Na sequência, conversamos sobre o significado da lição para cada um de nós.

Comentei sobre algo que havia lido a respeito de pessoas – os antigos anacoretas, eremitas, ermitões – que renunciam a tudo para levar uma vida de privações e sofrimentos, no intuito de agradar a Deus e como tal procedimento, aparentemente, destoava daquilo que havíamos acabado de estudar. Debatemos um pouco, procurando entender as motivações dessas pessoas, sem chegar a uma conclusão que nos satisfizesse a ambos e ficamos de pesquisar para concluir a discussão na semana seguinte.

Quando estávamos em prece, já marchando para o encerramento de nossa humilde reunião, manifestou-se a nossa querida Guia Espiritual Estrelinha que, com seu característico sotaque espanhol, expressou-se pela voz da Beth:

“Meu irmão, ao seguires pela árdua senda, não há mérito algum em fechares os olhos para as flores que te enfeitam o caminho. Deves, antes, deliciar-te com a beleza que elas te inspiram e com o aroma que delas brota, pois que foram postas ali pela graça de nosso Pai Celestial e essa graça não te fica bem desprezar.

“Lê novamente a lição desta noite, lê-a muitas vezes. Medita sobre seu significado. Sê ditoso, segundo as necessidades da Humanidade; mas que jamais, na tua felicidade, tenha lugar um pensamento ou um ato que te possa envergonhar ou fazer com que se vele o semblante daqueles que te amam e te dirigem.

“Se um dia fores sentir vergonha por algum ato, uma palavra ou um pensamento colocado em prática no dia de hoje, então não pratiques tal ato, não pronuncies tal palavra, não dês guarida a tal pensamento. Age sempre assim e terás uma existência feliz.”

Aquelas palavras tiveram o condão de marcar minha vida desde então. Tenho lido e relido muitas vezes o Capítulo XVII do Evangelho Segundo o Espiritismo e a cada oportunidade descubro novos ensinamentos, novas maneiras de crescer, novas perspectivas sob as quais encarar a Doutrina Espírita.

Creio ser justo mencionar a influência desses ensinamentos também na minha vida profissional, pela íntima ligação com os princípios éticos que abracei desde cedo, ao ingressar na vida militar, estimulado sempre pelas palavras e pelos exemplos de superiores, pares e subordinados.

A cada vez que passo os olhos por esse capítulo, vêm-me à mente as palavras que ouvi numa já longínqua noite do ano de 1980, na Terra dos Marechais – e emparelhada com essa lembrança vem-me também a certeza de que os sofrimentos que infligi a mim mesmo ou a pessoas queridas foram, via de regra, consequência de não haver atendido ao sábio conselho recebido naquela ocasião.

(*) O autor é General de Exército na Reserva

Comentários

  1. Bonita mensagem e muito obrigado por compartilhar conosco esse ensinamento. Forte abraço!

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  2. Caríssimo amigo e colega de ESAO Décio Schons. Fiquei maravilhado com o seu relato, mas não tinha ideia de que você espírita. Embora eu não seja espírita admiro muito essa doutrina e acho que todos deveriam pautar seus comportamentos na vida profana, tendo como referência os ensinamentos da doutrina espírita.

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  3. Um tempo de que eu hoje olhando eu aprendi também! Abraço amigo

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