A Longa Noite sem Lua

                                                                                                                                     Décio Luís Schons (*)

No silêncio da noite sem lua, a sentinela atenta vela sobre o repouso dos companheiros adormecidos na amplidão do acampamento a céu aberto. Não se permite um descuido sequer, pois sabe que do seu vigiar cuidadoso dependem as vidas daqueles que à sua guarda foram confiados.

Nos dias que vivemos, é como se atravessássemos uma longa noite sem lua e sem estrelas. Ao catastrofismo dos que antecipam desastres naturais, juntam-se o radicalismo das posições religiosas, o prospecto da debacle econômica, a luta selvagem pela preponderância e o abandono dos princípios e valores que, pelo menos nominalmente, orientaram nossa trajetória evolutiva como civilização. Mesmo as noções elementares de solidariedade e respeito pela dignidade do próximo parecem ter sido abandonados por muitos, enquanto práticas as mais primitivas voltam à moda no palco das lutas pelo poder a qualquer preço, em que a vida humana quase nada vale.

Nessa conturbada quadra, o praticante espírita pode indagar-se algumas vezes sobre a melhor conduta a adotar, já que, na aparência pelo menos, os habitantes deste querido orbe não temos evidenciado, no campo moral, a evolução deixada entrever pela nossa querida Doutrina.

Nesses momentos é que desponta o valor da fé embasada na razão, que significa muito mais do que simplesmente acreditar em algo: significa ter conhecimento sobre o objeto da fé. Esse conhecimento, uma vez internalizado, passa a fazer parte de nosso próprio ser. Por isso, Allan Kardec afirmou: “Fé inabalável é somente aquela que pode encarar a razão, face a face, em todas as épocas da humanidade”.

Ser espírita é muito mais que acreditar em espíritos – é saber-se espírito, saber-se partícipe da Vida maior, responsável não apenas pelo próprio destino, mas, em uma certa medida, responsável pelo destino da própria Humanidade.

Tal responsabilidade, quando bem entendida, é o diferencial que impulsiona o praticante à ação, não em busca de reconhecimento ou recompensas, mas simplesmente por saber que esse é o seu Dever – Dever no sentido maior, como o entendeu Madame Blawatsky, a fundadora da Teosofia, ao afirmar:

- "O Dever é aquilo que se deve à Humanidade, a nossos semelhantes, a nossos vizinhos, a nossa Família e, especialmente, a todos aqueles que são mais pobres e desamparados que nós. Esta é uma dívida que, caso não seja saldada no decorrer da presente existência, faz-nos espiritualmente insolventes e reserva para nós um estado de falência moral na próxima encarnação".

Ser espírita é enfrentar os desafios, é não se deixar abater diante das adversidades, por maiores que sejam ou pareçam ser. Nossa fé nos conduzirá através dos caminhos que tivermos que percorrer, mesmo através dos espinheiros, mesmo através das lágrimas, mesmo através da dor.

Na longa noite sem lua, a sentinela da fé permanece vigilante e cumprirá o seu Dever, aconteça o que acontecer. Ele sabe que a escuridão terá um fim, que a aurora é inevitável e que os primeiros raios de sol da nova manhã penetrarão o seu coração para ali escrever em letras douradas: missão cumprida.

(*) O autor é General de Exército na Reserva

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