Espiritismo e Transição Planetária
Décio Luís Schons*
“Fé inabalável só o é aquela que pode encarar
de frente a razão, em todas as épocas da humanidade” (O Evangelho Segundo o Espiritismo, capítulo XIX)
No âmbito da bibliografia espírita,
a expressão “Transição Planetária” é entendida como uma etapa no processo de
evolução da Terra, em que o planeta deixará de ser um mundo de expiações e de
provas para atingir a categoria de mundo de regeneração. Esse é um dos pontos
de grande concordância entre os seguidores da Doutrina codificada por Allan Kardec.
Longe de esperar tranquilamente que
as profecias se realizem, o espírita consciente é ativo no trabalho
colaborativo, para que essas previsões possam tornar-se realidade e, mais do
que isso, para apressá-las sempre que possível.
Assim sendo, a ação espírita cristã,
ao que tudo indica, deve operar-se em duas dimensões. Na dimensão interna, a
luta é na busca da evolução própria, na tarefa diligente de aperfeiçoar a
individualidade imortal. Na dimensão externa, podemos considerar que o esforço
se bifurque: um dos componentes orienta-se na direção do auxílio aos irmãos de
caminhada; o outro volta-se para o trabalho de preservação do planeta que Deus
nos concedeu por morada.
Consideremos, primeiramente, o
trabalho de autodesenvolvimento, na busca daquilo que se convencionou chamar
evolução espiritual. Sabemos que o crescimento não ocorre sem esforço, à
revelia do próprio interessado. A evolução ocorre, sim, na esfera das lutas
íntimas, da subjugação de nossa personalidade inferior, da sublimação dos
instintos e reflexos condicionados por milênios de ações repetidas na busca
pela sobrevivência dos corpos físicos que ocupamos sucessivamente, em
incontáveis passagens pelo planeta. É o egoísmo que dá passagem ao altruísmo, o
culto da personalidade e dos interesses próprios que cede lugar à busca de
princípios e valores mais altos, alinhados aos preceitos do Evangelho do Cristo,
preceitos esses que já passaram a habitar intuitivamente em muitos de nós.
Nessa longa caminhada aparecem, com
a finalidade de conferir maior celeridade ao processo evolutivo, os sofrimentos
e as expiações, ferramentas valiosas para o despertar dos incautos, desatentos
ao verdadeiro sentido de cada uma destas nossas passagens pela superfície
terrestre. A Boa Lei nunca falha, nunca adormece, por tudo vela, a tudo
preside. Enquanto a ela nos alinhamos, marchamos em direção à conquista da
felicidade duradoura; quando a afrontamos, sofremos.
Para ser bem-sucedido nessa jornada
transformadora, faz-se mister que o Ser, mediante honesta autoanálise, identifique
os diversos papéis que representa na vida em sociedade. No passo seguinte, a
tarefa é integrar esses papéis de maneira coerente, para isso estabelecendo que
suas ações em todas as dimensões sejam praticadas sob a égide dos princípios
consagrados pela ética cristã espírita. Trocando em miúdos, trata-se de não
sentir vergonha nem de sentir drama de consciência quando, no desempenho de um
desses papéis, somos confrontados com as ações praticadas, as palavras ditas ou
até mesmo os pensamentos e sentimentos experimentados no desempenho de qualquer
outro papel. No momento em que a pessoa é bem-sucedida nessa árdua tarefa e passa
a agir de acordo, dizemos que ali está um ser humano íntegro, porque conseguiu
integrar os seus papéis de forma completa.
Já agora no campo externo, aparece
a dedicação aos irmãos de jornada como um primeiro componente do processo. O
Apóstolo Paulo define o Amor como o sentimento por excelência, aquele capaz de
transformar o mundo. Amor é caridade, é doação, é entendimento, é sacrifício, é
aceitação; e, sobretudo, Amor é perdão.
Amor verdadeiro é, por definição,
um sentimento ativo. Por isso o Amor, nesse sentido amplo e ao mesmo tempo tão
específico, na medida em que contemplamos a todos e a cada um dos irmãos que
surgem em nossa atmosfera espiritual, assume papel tão importante – porque só ele
é capaz de fazer com que se detenha a roda do carma: só o Amor que serve
incondicionalmente é capaz de impulsionar o resgate dos débitos do passado; só
o Amor que perdoa é capaz de nos inspirar a que deixemos para trás as faltas
dos nossos irmãos para conosco, ao tempo em que também nos faz nutrir a
esperança de sermos, de nossa vez, por eles perdoados.
Fora da Caridade não há salvação,
esse o mote do espírita cristão. Ao colocar a Caridade como condição primordial
para o sucesso na caminhada evolutiva, sobrepondo-a, soberana, à fé e à
devoção, a espiritualidade estabeleceu de forma cristalina e definitiva aquilo
que é verdadeiramente importante para o sucesso na nossa jornada.
Ainda no campo externo, surge à
nossa consideração o cuidado com o planeta que herdamos, essa nossa acolhedora
casa no universo. De tão acostumados a receber dele o abrigo e o sustento, em
todos os sentidos, não nos lembramos de, ao menos por um momento, agradecer
pelas bênçãos com que a todo instante somos cumulados. Nossa querida Mãe Terra
nos foi legada pelos que vieram antes de nós e deveríamos nos preocupar em
passá-la aos que vierem depois, nossos filhos e netos, em melhores condições do
que aquelas em que a recebemos. Em vez disso, porém, parece que se apodera da
Humanidade uma verdadeira sanha em espoliá-la até os últimos limites.
Esquecidos dos ensinamentos do
Mestre, colocamos o ter e o parecer em patamar muito superior ao ser e nos
dedicamos a uma destruição sem precedentes dos recursos naturais não renováveis
do planeta. A ânsia por lucros cada vez maiores, o consumismo desenfreado, o
uso insustentável dos mananciais de água doce, a desertificação do solo, a
produção de montanhas de lixo desnecessário, a poluição atmosférica com seu
cortejo de doenças e sofrimento, tudo isso nos conduz, de forma inexorável, na
direção de desastres ecológicos sem precedentes. As recentes catástrofes ambientais
decorrentes do rompimento de barragens, as enchentes, as estiagens, o
derretimento das calotas polares são apenas amostras do muito que está por vir
se não for despertada na humanidade uma nova consciência em relação ao meio
ambiente.
Nesse triste processo, não vai
embutida apenas a realidade deprimente do uso indiscriminado de recursos que,
uma vez exauridos, não mais poderão ser recuperados. A verdade é que a loucura
consumista de nossos dias embrutece o ser humano e exacerba nele o materialismo
que lhe retarda a marcha evolutiva. O estado a que relegamos o ambiente em que
vivemos e convivemos é indicador seguro do nosso atraso evolutivo.
À Doutrina Espírita, portadora da
Boa Nova restaurada, cabe nesse momento um importante papel: o de chamar à
realidade aqueles que, descuidados, ainda não se deram conta dos desastres que
se avizinham se não acordarmos a tempo. É verdade que muitos confrades, ainda
semiadormecidos, esperam contritos o momento da grande transição, na certeza de
que basta não fazer o mal para colocarem-se entre os escolhidos. Todavia, os
tempos de hoje exigem posicionamentos: apenas abster-se de praticar o mal não é
suficiente. Lembremo-nos da Parábola dos Talentos, que não nos deixa espaço
para mal-entendidos.
Gostaríamos de estar entre aqueles
que vislumbram para um futuro próximo o momento culminante dessa tão falada
transição, momento feliz em que a Terra, habitada por uma maioria de almas já
avançadas no processo evolutivo, entrará para o rol dos mundos de regeneração. Entretanto,
ao assistir, dia após dia, o quanto de maldade campeia ao nosso redor, em nosso
país e em outros, é forçoso admitir que muito resta ainda a ser feito até que
esse feliz dia chegue para o nosso planeta.
Semelhante constatação não deverá
constituir motivo para desânimo ou esmorecimento. Muito ao contrário. Já que
sabemos da imensidão do esforço a ser despendido por todos, o natural é que
decidamos iniciar logo o trabalho necessário, pôr mãos à obra para abreviar o
trabalho e o sofrimento de tantos irmãos e irmãs em nosso ambiente e nos
limites das nossas possibilidades.
Felizmente já é perceptível,
particularmente entre os mais jovens, uma renovada disposição para mudar a
situação em que nos encontramos. Muitas dessas pessoas, há pouco tempo reencarnadas
em nosso planeta, trazem consigo o sentimento inato da necessidade de
transformação. Muitas delas não são passíveis de sedução pelos velhos vícios.
Os princípios éticos do respeito ao ser humano e ao ambiente já lhes vêm
entranhados, fazem parte de seu caráter.
Cabe a nós, porém, representantes
da geração que empunha a tocha nessa infindável corrida de revezamento, alertar
as jovens consciências para a necessidade do viver ético, segundo os preceitos
imorredouros do Espiritismo. Sejamos persistentes nesse trabalho infindável de
convencimento e persuasão, ensinando e, principalmente, demonstrando que o
único caminho viável para um futuro de paz é aquele que contempla a prática da
Caridade e a desassombrada vivência dos preceitos da nossa Doutrina
consoladora. Só assim poderemos nutrir a esperança – mais que isso, a certeza –
de um futuro em que irá, finalmente, triunfar a Boa Nova que conduzirá nosso
país e nosso planeta a uma era de paz e prosperidade.
Nosso paraíso tropical, pleno de
belezas e riquezas naturais e povoado por uma raça alegre e dotada dos mais
elevados instintos de solidariedade e dedicação aos irmãos de caminhada,
enfrenta hoje uma crise que muitos estudiosos afirmam não ter precedente. De forma
diferente dos pessimistas, formamos entre aqueles que percebem nesta hora a
oportunidade para o salto qualitativo, do rompimento com o passado de
licenciosidade para redescobrir na ética cristã espírita o caminho para o
futuro.
Aos que erraram, seja concedida a
oportunidade de resgatar, já desde esta existência, a pesada carga cármica acumulada.
Sejam julgados e, se for o caso, condenados e encaminhados ao resgate. Que não
haja, porém, em nossos corações, ódio ou desejo de vingança, mas simplesmente a
convicção de que a justiça divina há de sobressair, soberana. A confiança nessa
justiça é que nos inspira ainda mais fortemente à atitude de perdoar e
trabalhar com afinco na divina missão que nos foi confiada.
* O autor é General de Exército da
Reserva
Amigo irmão schons. Hoje tomei conhecimento do seu blog. Confesso que fiquei surpreso por saber que o amigo é espírita como eu. Lenbro perfeitamente de nosa trajetória dezde a Prep aos bancos acadêmicos. Por isso entendo o seu sucesso durante toda gida militar. Hoje, depois de alguns revezes, moro em Fortaleza com um novo casamento e procurando ser feliz. Desejo ao amigo muitas felicidades e realizações. Grande e fraterno abraço.
ResponderExcluirAdmirável. Denso. Correto.
ResponderExcluirMuito obrigado por tão enriquecedora mensagem.
Meu caro amigo, quando comecei a lê, sentir que o autor seria você, pela tão bela escrita, atual e sensível, continue escrevendo e nos aproximando de Deus na pureza dessa realidade de mostrar aos mais jovens essa missão, serei assídua no seu blog
ResponderExcluirA "justiça divina há de sobressair, soberana", eu acredito.
ResponderExcluirTexto maravilhoso. Parabéns. Trabalhando ee forma intensiva para que a transição planetária seja adequada para uma evolução espiritual constante.
ResponderExcluirMuito didático e ilustrativo!
ResponderExcluirAcho que ainda há séculos à frente, porém, para a Terra passar a ser um mundo de regeneração...
Creio !
ResponderExcluirMãos à obra.
Caro Amigo General Schons,
ResponderExcluirUm texto primoroso, pleno de ensinamentos, de reflexões e de proposições de melhora nas nossas atitudes.
Nossa evolução espiritual passa pelo diálogo com Deus.
Diria que o argumento é perfeito sob o ponto de vista da expectativa por algo de bom que há de vir.
Leitura leve e fácil, para formular conceitos.
Grato pela preciosa mensagem.
Abraço fraterno!
Luiz Pissutti
O Ser Humano, em geral, tem muito o que aprender para evoluir. Texto denso de reflexões. Abs.
ResponderExcluirRealmente, só o amor é capaz de transformar o mundo. Amar a si mesmo, amar o próximo, amar a casa em que moramos, amar a família que recebemos. Amar mais, agradecer mais, reclamar menos e seguir na caminhada. Obrigada por mais esse lindo texto.
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