O Espiritismo e seu Aspecto Religioso
Décio Luís Schons
A popularização do Espiritismo no Brasil levou, com o passar
dos anos, a que muitas pessoas tivessem da Doutrina Espírita codificada por
Allan Kardec uma visão limitada, como se ela fosse mais uma seita ou corrente
religiosa no âmbito do Cristianismo. Percebe-se em algumas casas
espíritas uma tendência ao igrejismo, à rigidez de procedimentos e até mesmo ao
estabelecimento de rituais, em completo desacordo com o preconizado pelos
mensageiros espirituais que transmitiram a Kardec, por intermédio de centenas de médiuns em muitos países, as bases da Doutrina e a universalidade do ensino dos espíritos.
É preciso que nós, espíritas, jamais percamos de vista os
fundamentos da Doutrina que abraçamos. Esses fundamentos, como já ressaltado de
início, encontram-se nos livros da Codificação e conferem à Doutrina três
aspectos: o filosófico, o científico e o religioso. O aspecto filosófico trata
de buscar as causas primeiras e responder aos porquês, de estudar as
finalidades e as motivações dos fenômenos espíritas, situando-os no contexto de
toda uma cosmogonia cambiante porque evolutiva. Esse
aspecto constitui o pilar central do Espiritismo e nos remete à presença da
Inteligência Suprema, causa primária de todas as coisas. O aspecto
científico veio nos trazer a informação sobre a maneira como os fenômenos
acontecem, com a utilização dos mesmos métodos indutivo e dedutivo utilizados
pelas ciências físicas e biológicas, à época em pleno amadurecimento.
Tratando agora do aspecto religioso, é interessante que nos
detenhamos brevemente sobre a origem da palavra religião e sobre os
significados e os entendimentos que ela ensejou ao longo da história. A palavra
religião, como sabemos, tem sua origem etimológica no verbo latino “religare” e
seu significado lato em português não requer maiores elaborações. A questão que
se coloca é sobre a espécie de religação de que estaríamos tratando.
Para as religiões cristãs tradicionais, o ser humano
estaria, a partir do milagre da criação, ligado a Deus por sua própria
natureza. Lamentavelmente, o pecado original (expressão interessante, que
poderia ser tema de outro artigo) teria vindo interromper essa comunhão. A
ligação entre o ser humano e a Divindade somente poderia ser restabelecida
mediante o sacramento do batismo.
Para a Doutrina Espírita, o ser humano, assim como tudo que
existe no universo, jamais deixou de estar ligado à Divindade pela sua própria
origem. Na verdade, com a aquisição da consciência (esse, no meu entendimento,
o verdadeiro pecado original) que o distingue dos demais seres vivos, o ser
humano descobre sua finitude e passa a propor a si mesmo as questões existenciais
que todos conhecemos muito bem.
É a partir desses questionamentos e das respostas
correspondentes que a religação com a Divindade foi ganhando existência nas
mentes e nos corações dos integrantes da espécie humana. É precisamente a essa
religação que a Doutrina Espírita alude ao estabelecer o seu terceiro aspecto,
a partir dos outros dois, o filosófico e o científico.
O verbo religar, por conseguinte, não carrega aqui o
significado de refazer uma ligação que em algum momento teria sido desfeita,
muito ao contrário. O aspecto religioso do Espiritismo tem a ver com o
estabelecimento da ligação com a Divindade em outro nível, mediante o uso da nossa
inteligência e consciência, para compreender e assimilar o verdadeiro sentido
de nossa breve permanência como seres encarnados neste planeta. Isso explica as
palavras basilares de Allan Kardec sobre a fé inabalável como sendo somente
aquela capaz de encarar a razão face a face, em todas as épocas da humanidade.
Tal entendimento lança por terra qualquer tipo de dogmatismo
ou facciosismo religioso, uma vez que reconhece e estimula a prática do
questionamento a todos os princípios, inclusive dos princípios doutrinários.
Esse pensamento também foi externado por Kardec, ao estabelecer que se qualquer
enunciado espírita for modificado pela ciência, essa nova posição deverá ser
incorporada à Doutrina.
Somos seres em evolução e a cada dia andamos alguns passos
em nossa caminhada rumo ao infinito. Nessa jornada, é importante sabermos com
precisão o nosso destino, pois quem não sabe para onde quer ir tem uma alta
probabilidade de não chegar a lugar algum. A Doutrina Espírita é guia preciosa
nessa marcha para muitos seres humanos presentemente encarnados neste nosso
querido planeta. Para praticá-la e vivê-la em sua plenitude, é importante que
seus princípios basilares sejam bem compreendidos e assimilados. Entender a
Doutrina Espírita embasada em seus três aspectos, conforme o legado do
Codificador, certamente contribuirá para o fortalecimento de nossa própria Fé raciocinada.
Muito bacana o artigo. Primeira religião que, no meu limitado entendimento, não se enquadra no que Philipe Bordieau descreve em "A sociedade das trocas simbólicas".
ResponderExcluirMuito obrigado pela gentileza de seu comentário.
ExcluirMuito boa e oportuna a simplificação dos princípios espíritas. O Espiritismo é tão simples e objetivo que muitas vezes gera duvidas. Não estamos acostumados, em termos religiosos, a encarar a simplicidade da Lei de Causa e Efeito. As vezes, procuramos soluções complexas, na busca da nossa felicidade. Ao explicar tudo que nos acontece de forma quase que matemática, nos surpreende. Mas como?
ResponderExcluirParabéns! Ótima análise.
Obrigado pelo seu comentário, muito bem colocado.
ExcluirÓtima abordagem. Para mim a doutrina espírita é a única que oferece alguma lógica e alento a respeito de nossa existência nesse mundo.
ResponderExcluirBoa noite, querida Mana Marilei. Obrigado pela gentileza do seu comentário.
ExcluirEstou apenas aprendendo, e sua análise sobre os princípios pareceu clara e objetiva, assim como a Codificação a mim me parece explicar o que estamos e nos propusemos fazer neste mundo, apesar de toda dificuldade de tomar as decisões e seguir no caminho.
ResponderExcluirNão é, de fato, tarefa fácil. Pelo menos para mim, não tem sido. Se quisermos crescer, é preciso estudar, assimilar e incorporar os conhecimentos à nossa vida. Isso significa algum tipo de transformação, aquilo que alguns designam como "reforma íntima" - expressão que considero apropriada por estar em acordo com os princípios da evolução, que por definição é gradual e não ocorre por saltos.
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