Doutrina Espírita e Evolução
Décio Luís Schons (*)
A Doutrina Espírita é de uma simplicidade cristalina em seus
fundamentos. Despretensiosa e despojada de adornos, nunca visou estar presente
em altares de templos suntuosos nem ser propagada pela cantilena chorosa de
oradores embevecidos com o som da própria voz. Não almeja a glória deste mundo,
porque a sabe passageira e fútil. Não busca influenciar a política dos grandes
da Terra, por saber que o mais poderoso destes poderá, em função do que faça ou
deixe de fazer, vir a ser o menor de todos na Pátria Espiritual.
Seu alcance e suas consequências podem, por outro lado, atingir
insuspeitada complexidade, dependendo do nível em que o estudioso deseje
trabalhar. Cultiva, assim, com invencível lógica, as virtudes da mente e do
espírito, por qualificá-las como a verdadeira chave para um mundo melhor.
Às pessoas pouco dadas a ocupar-se com as filigranas do processo de
obtenção do conhecimento filosófico, a Doutrina oferece regras práticas e
diretas, constituindo-se em guia singela para uma vida proveitosa e feliz. Já àquelas dotadas de curiosidade intelectual e disposição para o estudo, o
Espiritismo põe à disposição vasta gama de conhecimentos distribuídos por todos
os campos do saber humano.
Uma
das características mais marcantes da Doutrina é seu caráter evolutivo. Fé
inabalável é aquela capaz de encarar a razão face a face, em todas as épocas da
humanidade, asseverou Kardec, em momento de sublime inspiração. Assim sendo, a
Doutrina deverá adaptar seus procedimentos, e até mesmo seus princípios, toda
vez que a ciência comprovar fatos novos, ampliando o escopo do conhecimento
humano. Essa é condição indispensável para que a Doutrina se mantenha sempre jovial,
aconteça o que acontecer.
A
evolução, para o Espiritismo, é processo que obedece ao princípio dialético, no
sentido entendido por Hegel quando o enunciou em sua obra Fenomenologia do
Espírito. Não levaremos em consideração as deformações introduzidas na
filosofia hegeliana por pensadores que vieram depois dele e cujas doutrinas tantos
males têm causado à humanidade.
Como
sabemos, a lógica dialética hegeliana parte de uma situação inicial (tese), que
se modifica ao fazer face a uma situação contraditória (antítese) para
desvelar-se, por evolução na síntese. Esta, por sua vez, converte-se imediatamente
em nova tese, recomeçando o processo, numa cadeia infinita.
Trazendo
as convenções teóricas hegelianas para o âmbito da filosofia espírita,
identificaremos, numa primeira aproximação, a tríade tese-antítese-síntese da
primeira com o nascer-morrer-renascer da última. Tal generalização pode ser
particularizada num sem-número de pequenos componentes, em outros tantos
processos dialéticos, não menos importantes por corresponderem a visões micro
do grande todo.
Assim
é que vemos o ser humano encarnado lutando no dia a dia para levar o ego (tese)
a enfrentar situações corriqueiras de pequenas e grandes dificuldades (antíteses),
resultando em um ser aperfeiçoado a cada dia (síntese).
O ser
humano não é, portanto, um ser estático, mas um ente em constante mutação,
esse vir-a-ser de que nos falam os filósofos. Tal
é a compreensão que devemos ter do ser humano deste momento, distinto daquele
de um segundo atrás e já renovado em relação ao momento que se foi – tanto
material quanto emocional e espiritualmente.
Diferentemente
daqueles que veem a espécie humana como sendo constituída de simples animais
pensantes, hedonistas, movidos unicamente pela lei da máxima satisfação com o
mínimo esforço, nós que aceitamos a Doutrina Espírita Cristã percebemos à nossa
volta pessoas e grupos, em sua maioria pouco numerosos, que procuram viver uma
experiência crística já na presente reencarnação. Somos conscientes do que se passa no
âmbito de milhões de lares humildes, onde se exemplifica o amor e a devoção, o
espírito de sacrifício e a misericórdia, e onde se prepara a nova geração que
há de impulsionar o mundo em direção a novas alturas. Podemos perceber o
progresso dos seres humanos apesar do sofrimento e da dor, muitas vezes estimulados por esses inseparáveis companheiros de jornada.
A nós, que professamos a verdadeira fé, a fé que encara a razão face a face,
não nos cabe o pessimismo nem a apatia — cabe-nos, antes, a ação firme e
resoluta no rumo que para nós mesmos traçamos, sempre prontos a estender a mão
ao companheiro de jornada que aceite ser amparado. Faremos, sim, a parte que
nos cabe, pois a aceitamos voluntariamente e de bom grado antes de retornarmos
a esse querido lar chamado Terra.
A Doutrina Espírita, de forma direta, racional e descomplicada, nos indica
a direção a seguir na marcha inexorável da evolução. Isso tudo para que não
venhamos a lamentar, mais adiante, o tempo desperdiçado, os sofrimentos
dispensáveis causados àqueles que nos são próximos, as dívidas cármicas adquiridas
e a consequente necessidade de reviver experiências e recapitular aprendizados
que já deveriam ter sido muito bem assimilados.
(*) O autor é
General de Exército na Reserva
Caro Schons. Tenho lido, com satisfação, seus escritos sobre a Doutrina Espírita, que também me atrai. Deste arrazoado, achei muito interessante a visão do uso do pensamento hegeliano. Concordo com isso e agradeço o compartilhamento.
ResponderExcluirObrigado pelo seu comentário.
ExcluirObrigado por compartilhar esses textos. Estou, humildemente, cada vez mais percebendo que há muito o que aprender e a vivenciar. Forte abraço!
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